AMPM | Edição 15: Da meia no pênis ao bigode preto
Pimenta. Hollywood. Funk. Heroína. River Phoenix. Viper Room. Fender. Couto Pereira. Sangue. Açúçar. Sexo. E magia. Mansões. Curitibinha. Juventude. Estacionar longe. Experiência. Cinismo
Esta é a 15ª edição da newsletter “As Melhores Playlists do Mundo”. Prioritariamente, uma seleção de canções, livre e pretensiosa, sobre tema determinado. Mas é também sobre tudo, como música. Desta vez, uma publicação diferente.
Uma coisa boa de envelhecer, não são muitas, é não criar grandes expectativas. Ainda mais sobre uma banda na ativa há 40 anos e que viveu o auge criativo há 30. Assim, eu não esperava da apresentação do Red Hot Chili Peppers, em Curitiba, nada além do que um acerto de contas pessoal com o passado.
Diferentemente da maioria dos fãs presentes a um entupido Couto Pereira. Uma massa empolgadamente jovem, prenhe de ingenuidade e embevecida pela própria existência, que não escondeu certa decepção com a performance dos californianos. Foi a primeira passagem do RHCP pela terra dos curitibinhas.
Ao acender das luzes, a molecada reclamou da duração do show, uma hora e meia, da presença de músicas desconhecidas no setlist, das jams, da nenhuma interação com a plateia, nem mesmo a protocolar. O vocalista Anthony Kiedis deixou o palco, ao final, correndo como se precisasse ir ao banheiro, e eu ouvi. “Pô, paguei R$ 900 e nem um tchauzinho?”.
Foda. Eu compreendo, já tive 20 anos. E outra coisa boa de ficar velho é cultivar um pouco de cinismo. É útil, por exemplo, para curtir ao vivo, sem crise, um grupo que te encantou na adolescência e, décadas adiante, empreende turnês com a empolgação de quem preenche uma planilha no Google Sheets.
Sabe como é, sai caro manter suntuosas mansões em Bel Air, o point dos ricaços em Los Angeles. Tanto que o baixista Michael Balzary, aka Flea, decidiu, dia desses, passar pra frente uma de suas propriedades, fincada nas colinas de La Crescenta e de arquitetura arrojada. A pedida: US$ 10 milhões.
É legítimo, é digno, é do jogo e eu costumo me dispor a jogar. Fiz questão de empenhar um bom numerário, como diria o saudoso Dionísio, num ingresso para assistir bem de perto. A presença, e a grana, como uma retribuição, misturada com celebração, por uma relação antiga e com frequência excitante.
O Mother’s Milk, disco de 1989, ainda fazia barulho quando foi lançado o Blood Sugar Sex Magik, em 91, e nada mais seria como antes pra mim e, também, para o quarteto. Foi o álbum em que os Chili Peppers, com as mumunhas do barbaço Rick Rubin, encontraram, enfim, uma identidade própria.
A hiperatividade funk que arrebatou skatistas deu lugar a uma amálgama de, perdoem-me o clichê, “sangue, açúcar, sexo e magia”. Tudo ficou mais: cru, profundo, pesado, melodioso, mantendo a herança do Grande Pai George Clinton. E com “Give it Away” o agrupamento de Holywood foi catapultado ao topo do hit parade global.
O estrondoso sucesso, entretanto, imediatamente cobrou o preço. E saiu caro. Curiosamente, o personagem que deu sobrevida a um conjunto então arruinado pela overdose fatal do guitarrista e fundador Hilel Slovak, foi experimentar a morte em vida. John Frusciante não segurou a pressão e no Japão, na largada da turnê mundial, se jogou do altar de estrela do rock.
Solto, o filho de um pianista com uma cantora logo viu-se sequestrado por seus demônios em 92. E em 93, dia 31 de outubro, no Viper Room, sob o número 8.852 da alegórica Sunset Boulevard, estava ao lado do ator River Phoenix, quando este escorreu pela calçada dissolvido por uma combinação de pó e pico.
Numa espiral de autodestruição, o guitar hero vendeu dezenas de instrumentos para sustentar o vício em heroína. Perdeu todos os dentes, extraídos por causa de uma infecção potencialmente letal. Borrou as tatuagens dos braços tantas foram as aplicações do pó branco dissolvido em água e limão, numa busca incessante pela dose consagradora.
Até que, ressurgiu em 1999, aparentemente vivo.
E eu lembro, nitidamente, de sentir certo alívio ao assistir ao clipe de “Scar Tissue”, do Californication, o primeiro vídeo do disco que marcou o retorno do guri prodígio contratado lá no final dos anos 80. O Réde Hóte, em curitibanês, aparece como se sofrera um acidente de carro, mas o clima é de: “ufa, há vida”.
Caminhar até o Alto da Glória pela noite de segunda-feira, após utilizar a minha velha técnica de estacionar longe, então, foi também uma forma de recompensa. Para que eu possa transcender, andando pela praia, em Santa Terezinha, como se banhado pelo pôr do sol atrás das montanhas de Santa Mônica, Frusciante foi ao inferno.
E agora estava lá, a uns 50 metros de distância, em cima do palco, depois de ter saído outra vez do RHCP, novamente perturbado pelos compromissos de uma empresa do rock, em 2009, até retornar recentemente, em 2019. É um contentamento vê-lo em ação, elegantemente mal vestido, integrado ao trio de sessentões formado por Kiedis, Flea e o baterista Chad Smith.
Rolou “Suck My Kiss”, a volta do bis foi com “I Could Have Lied”, teve ainda “Soul to Squeeze” da fase áurea, e “Universally Speaking” e “Wet Sand” são músicas que fazem jus aos melhores momentos. De resto, foi morno, apesar do calor ensurdecedor dos últimos dias, mas bom.
Quando os conheci, no início dos anos 90, e me vi inspirado pela atitude libertadora e sexy, os Chili Peppers usavam meias compridas no pênis como recurso cênico. Que bom que a juventude passa. Vão-se os adereços, ficam as músicas, e só o bigode e o cabelo do Anthony Kiedis que não embranquece de jeito nenhum.
Mas não é só isso. Você leva ainda uma playlist que fiz já faz um tempo com os melhores momentos do John Frusciante na sua vertente harmonic sunshine.
Se por algum motivo você chegou aqui sem conhecer o princípio da newsletter, fundada em playlists, seguem sugestões de leitura:
Traduziu bem o meu sentimento, mas incluído no dos jovens 😄 eu criei sim expectativas e reclamei da duração do show, tb achei morno. Mas ainda assim valeu a pena ver (pelo telão, porque estava longe e sou pequena) uma das bandas da minha adolescência/início da vida adulta.