AMPM | Edição 14: Músicas que eu achei na rua
Codeína, Jogo do Bicho, nariz, cafeteria moderninha, Hermes e Renato, pop nipônico, baterista careca, falta de banho, Shazam, músicas invasivas, O Rappa, pizza cara, Big Brother, amor perdido
Esta é a 14ª edição da newsletter “As Melhores Playlists do Mundo”. Prioritariamente, uma seleção de canções, livre e pretensiosa, sobre tema determinado. Mas é também sobre tudo, como música.
Você já se flagrou absolutamente assaltado por uma boa música que está tocando e você não conhece? Antes do aparecimento do Shazam, que eu, suprema ignorância, só passei a usar esses dias, tal fenômeno poderia ser, ao mesmo tempo, estimulante e apavorante.
Estimulante porque é gostoso demais se ver sequestrado, completamente desguarnecido, por uma melodia nova e fascinante. Apavorante porque muitas vezes não era possível memorizar parte da letra pra tentar descobrir, mais tarde, que música era aquela.
Mas, repetindo, taí o “nosso querido Zé Gotinha”, digo, nosso querido Shazam, e os gatilhos rápidos de celular têm a chance de encontrar, imediatamente, quem é o autor somente apontando o aparelho para a caixa de som. [Fui ver na internet e o aplicativo foi lançado anteontem, em 2002! Pano rápido].
Abaixo, então, músicas que eu não conhecia e, de repente, me apaixonei por aí.
#14 | Músicas que eu achei na rua
#1 | Anjos (Pra quem tem fé) - O Rappa
Eu estou absolutamente preparado pra defender numa discussão que “Lado B, Lado A”, a terceira fita do conjunto carioca O Rappa, lançada em 1999, é dos maiores álbuns da música brasileira desde que os povos originários começaram a samplear. Agora, é fato que depois da saída do Marcelo Yuka a coisa deu uma descambada, o que é muito natural. Eis que em 2020, eu fui descobrir num restaurante de Curitiba, não lembro qual, uma música lançada pela banda em 2013, no disco “Nunca tem fim”. Para um momento pessoal difícil, apareceu como um sinal de que é preciso sempre acreditar.
#2 | Incinerate - Sonic Youth
Tem uma cafeteria originada em Curitiba, com franquias espalhadas pelo Brasil, toda moderninha, que é a melhor no estilo e, por tudo isso combinado, já tirou muito dinheiro da minha família. O que eu não sabia é que eles têm boas playlists, além de um revigorante iced latte. Eu estava na filial do Pátio Batel, onde renovo meu enxoval periodicamente, quando soou o som da juventude sônica (desculpem) do disco de 2006, “Rather Ripped”.
#3 | Opendoors - Jitwam
Veja, eu estava em Nova York (é bom demais falar isso, bem babaca, como se fosse o Cláudio Ricardo do Hermes e Renato), deambulando pela Bleecker St, rua que corta a cidade no sentido leste-oeste, quando entrei numa loja toda enjoada para conferir quantas coisas eu não teria condições de comprar. E entre bons discos de vinil, apossou-se de mim, vindo de algum dispositivo de bluetooth, o sensacional clima do artista que eu encontrei poucas referências na web.
#4 | Stay With Me - Miki Matsubara
Eu conhecia a família Matsubara do empreendimento futebolístico em Cambará, interior do Paraná, time brioso e revelador de talentos. Não sabia que entre os próximos do arrojado cartola Sueo estava uma charmosíssima crooner japonesa, Miki, infelizmente também já ausente do plano material. E, convenhamos, um popzinho bem dançante cantado em japonês é chique demais, não? Ouvi na espera do show do Pavement.
#5 | Easy Lover - Phill Collins & Philip Bailey
Foi um ato de sublimação quando, depois do show do Sepultura, mais de uma hora de agressão, danação e escuridão, a luz se acendeu abruptamente na Ópera de Arame e ribombou dos alto-falantes a bateria do Phil Collins na canção sobre uma garota que é “fácil de amar” demais. Fiquei com a melodia na cabeça, ciente de que era uma música conhecidíssima, e tive de recorrer ao temível áudio de WhatsApp, implorando ao Hugo que decodificasse a péssima reprodução com a boca. Sem demora, meu amigo, que já mexeu com rock farofa, decifrou o enigma.
#6 | Mistério Stereo - Curumin
Tem uma pizzaria em Curitiba, também na linha moderninha, coisa pra jovens, que oferece bons discos de massa, molho de tomate e toppings a preços um pouco excessivos. E como aquela cafeteria, o local também dispõe de trilha sonora dedicada. Foi lá que eu acabei encantado pela balada do valente Luciano Nakata Albuquerque, numa cena que lembrou aqueles desenhos em que o personagem sai flutuando atraído pelo cheiro de uma torta.
#7 | Lo quiero mucho a ese muchacho - Bestia Bebé
Essa eu não achei na rua, mas vendo TV protegido por uma mantinha. Estava assistindo ao documentário do Carlos Bilardo, o extravagante técnico narigudo, ou o narigudo técnico extravagante, como queira, que dirigiu a Argentina na primeira conquista da Copa do Mundo, em 1986, quando reparei na trilha. Parece a melhor música do conjunto The Strokes se os novaiorquinos fossem argentinos e perambulassem por Buenos Aires sem tomar banho. E que refrão poderoso.
#8 | X - Lil Wayne
Eu sou fã do conceito “Lil Wayne”, seja lá o que isso signifique exatamente. Eis que eu estava na espera por uma apresentação da Karol Conka, em busca de elementos sobre o fenômeno da rapper que, à época, explodira as fronteiras do Boqueirão, antes de a curitibana pintar no Big Brother para se tornare uma das figuras mais queridas do Brasil, quando o John Bull começou a tremer. Não era terremoto. Mas o pancadão do nosso sommelier de lean, em parceria com o Future e o Drake.
Links para a playlist: Spotify e Deezer.
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Vale o Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho | 7 Episódios | Globoplay
Já há alguns anos eu vinha seguindo o cafonérrimo e malvado universo do Jogo do Bicho no Rio de Janeiro, pelas notícias na internet, e pensando: não pode ser. Um pungente caleidoscópio de jogatina, violência, traição, samba, carnaval, SUVs, procedimentos estéticos e vidros verdes, tudo sempre maior que a realidade, num roteiro lancinante que, pasme, traz até a clássica trama dos irmãos gêmeos, no caso, Shanna e Tamara, que se odeiam. E a todo momento, uma obviedade me assaltava: isso tudo vale uma série.
Eis que a Globo se ocupou e lançou um mastodonte em sete capítulos. Com um trunfo esquisitíssimo: a disposição dos envolvidos nas transas mais periculosas sob os braços abertos do Cristo Redentor de falar publicamente para o documentário. Eu sou um tradicionalista, então, tenho maior curiosidade pelos tempos “românticos” do Castor de Andrade, Miro Garcia, Anisio Abraão, Capitão Guimarães, Tio Patinhas, Piruinha e outros, mas é apavorante a dimensão que a coisa tomou. Assista!
Se por algum motivo você chegou aqui sem conhecer o princípio da newsletter, fundada em playlists, seguem sugestões de leitura:
Um pouco constrangida que o vício no café moderninho (cujos donos aparentemente são apoiadores do antigo ditador desse país) agora se tornou público. Vim piorar a situação pra dizer que eles manjam muito de proporcionar EXPERIÊNCIAS, pois a trilha que toca nos cafés está no Spotify pra quem quiser ouvir.