EXTRA! Delírio em New York: Pavement, está acontecendo. E vou revelar de quem é a culpa
Não fosse o meu colega de segundo grau ter me emprestado uma fita gravada com uma coletânea de rock alternativo na metade dos anos 90 e nada disso estaria acontecendo. Mais: dicas de NY
Newsletter num formato diferente, recuperando a tradição dos grandes cronistas brasileiros em Nova York. A saber: Paulo Francis, Luana Piovani e Álvaro Garnero. Jornalismo como tem de ser: sem compromisso com os fatos. Um pouco longo, mas melhor que reels do Instagram (será?). No fim, dicas da cidade!
São quase meia-noite, terça-feira 12/9, maçarico ligado no Brooklyn: 27 graus centígrados, parece muito mais. Chego de bicicleta, embebido em suor, ao hostel, quarto compartilhado, é o que dá para pagar. Do Brooklyn Steel, casa de show, localizado na Frost St, peguei a Woodpoint, depois Bushwick e aí foi all the way down até quebrar à esquerda na Moore. É uma região sinistra para se andar tarde da noite, mas as sombras que se projetam dos becos estão chapadas demais.
Tudo isso é culpa do Fabio H., ou Fabio Ramone, pois só se vestia como um dos quatro rapazes do Lower East Side: Converse All Star preto, calça jeans, camiseta e jaquetaça de couro. Não fosse o meu colega de Terceiro Milênio, ali na metade dos 90, ter me emprestado uma coletânea de rock alternativo em fita cassete e talvez eu não estivesse aqui.
Aqui: nos EUA, pra ver o Pavement. Aqui: depois do segundo show do conjunto gestado lá na Jack Tone Rd, na outra costa da América do Norte, em Stockton, Califórnia. A segunda apresentação deles, primeira minha, virão mais duas, quarta e quinta. Viajei só pra isso e já são muitas as jornadas ao lado do grupo. A começar pelas centenas de vezes em que subimos juntos no Rua XV/Barigui, do colégio, na Dr. Pedrosa, até o Cristo Rei, onde morei por 30 anos.
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Como exposto acima, sendo bem rigoroso, e um tanto repetitivo, tudo isso é por causa da fitinha de segunda mão do Fabio Ramone. Além de canções do Dinosaur Jr, Ride e outros agrupamentos menos cotados, o rolinho magnético trazia “Newark Wilder” e “Range Life”, do Pavement, e por algum motivo insondável, acabei tragado pelas melodias sorumbáticas do “Crooked Rain, Crooked Rain”, o segundo álbum deles.
Jump cut, recorrendo ao Larica Total, mais uma vez, e estou, agora, empertigado, fascinado e assoberbado, diante de Stephen Malkmus, sem ainda ser possível diagnosticar, corrido tanto tempo, qual a origem da marra do líder do Pavement. Aos 57 anos, o dândi indie está cada vez mais no “ritmo do Canal 100”, como disse aquele comentarista, associando uma certa vagareza na performance ao estupendo programa sobre futebol do passado.
É certo, e quem pode criticar?, que a banda retomou as atividades para mitigar o desastre financeiro que se abateu sobre os artistas por causa da pandemia do coronavírus, longo período sem cachês de shows. Também se sabe, entre nós, Pavement Lovers, que o clima interno por muitas vezes foi péssimo. Mas, enfim, as contas vão chegando e quem nunca fingiu gostar dos colegas só porque é preciso ganhar dinheiro? Normal.
No entanto, o dínamo Malkmus está genuinamente feliz em conviver novamente com quem engrossou a explosão do rock alternativo na esteira do Nirvana. Ao final de cada música, sorri naturalmente com a vibração da plateia. O público, cerca de 1.500 mil pessoas, casa lotada, também está feliz, num fenômeno batizado de Pavement Delirum. Eu também estou em ver, ao vivo, a banda que tanto turbinou minha imaginação.
E é instigante, igualmente, a diversidade da audiência. Sim, claro, há uma predominância de pessoas 40+, como eu. Natural que seja assim, não se pode ter medo da nostalgia, afinal, você sabe, o passado é sempre o momento e, com frequência, só vai pra frente quem veio de trás, ou como cantou um baiano, é “como se ter ido fosse necessário para voltar”.
Mas não são apenas cabeças peladas ou cobertas por cabelos já sem melanina. Sublinho: acredite, havia jovens no Brooklyn Steel para a segunda rodada do Pavement do outro lado da ponte. E ao notar três meninas, todas abaixo dos 20 anos, cantando “Zurich is Stained”, “Here” e “In the Mouth of a Desert”, músicas evidentemente sem o mesmo apelo da Taylor Swift, fiquei certo de que sempre há tempo para começar.
Quase duas horas de apresentação, Malkmus, Stairs, Nastanovich, Ibold, West e Cole se recolhem ao backstage. Um crime: não rolou “Gold Soundz” e quando percebi pensei se não era o caso de acionar os cops para que a banda fosse conduzida coercitivamente de volta ao palco. Calma, tem mais dois dias e, veja só, a vida se desenrola entre o que é impossível controlar e, também, o que você coloca no seu caminho.
Até a próxima (quando? Não sei).
NOTAS ESTADONIDENSES* (OU DICAS DE NY)
*eu odeio quem usa essa expressão.
Duas horas em pé, na fila para a imigração, e a pergunta do oficial: “quanto dinheiro você está levando?”. A resposta que não pude dar: “One million dollars”.
Vocês reparam no cheiro dos lugares? Não se está fedido, mas no olor característico de cidades, regiões, países. Uma das primeiras sensações que tenho quando venho aos EUA é como aqui tem “cheiro de Estados Unidos”.
Ainda no tema cheiro. Nova York exala maconha. É livre, e é impossível andar uma quadra sequer pela Weed City sem trombar com a fragrância da erva em combustão.
O Brasil está muito adiantado em relação aos Estados Unidos por vários fatores, e atrasado em diversos outros. Estamos atrás: panquecas. Estamos na frente: atravessar o cruzamento de ruas na diagonal.
Eu fui até a exposição sobre o Jay-Z na Biblioteca Pública do Brooklyn, no embalo da comemoração dos 50 anos do hip-hop, comemorados em agosto. Lembro que, certa feita, no Brasil, houve uma polêmica envolvendo os Racionais MC’s, quando o incensado disco “Sobrevivendo no Inferno” foi incluído como leitura obrigatória na Unicamp. Bem, por aqui, o local Shawn Carter pintou até as paredes da principal biblioteca do borough com suas letras. E isso porque ele nem usava caneta, hein.
Um dos meus guias gastronômicos favoritos é o multifacetado rapper Action Bronson. Cria do Flushing, Queens, a hiperventilada figura também é chef, rei do crossfit, e apresentador do excelente “Fuck, that’s delicious!”, que você assiste e sente-se feliz e saciado tamanho o denodo com que o filho de albaneses, batizado Ariyan Arslani, se entrega aos prazeres da vida. Uma das dicas, testadas e aprovadas, é o Fortunato Brothers, desde 1976 no Brooklyn com seus suntuosos canolis, aconchegantes tiramisùs e outras italian specialties.
Eu sou vizinho de um Subway em Curitiba, Subway a rede de sanduíches, não o metrô. E tenho uma tese que é menos comida que o censurado Mc Donald’s. Bem, mas não vamos entrar aqui numa polêmica sobre engenharia de alimentos. Se você gosta do formato panini, ou do chamado hero, o Anthony & Son, também no Brooklyn, é uma pedida. A boa e velha escola dos sanduíches com coisas dentro que são aquilo que aparentam.
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Se por algum motivo você chegou aqui sem conhecer o princípio da newsletter, fundada em playlists, seguem abaixo duas sugestões de leitura nos links:
#1 | Dez músicas que poderiam ser do Tábua de Esmeraldas mas não são do Jorge Ben Jor
#2 | Dez músicas que se tocarem numa festa, num churrasco, numa reuniãozinha de amigos, é hora de aplicar um “estratégia” e sair correndo
EXTRA! Você ainda precisa de um "cronista" de Nova York? Acho que sim, hein
#3 | Onze músicas sobre New York que não são aquelas duas lá que instalaram na nossa cabeça
Aguardando a playlist do Pavement, as melhores